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Lucilia Diniz desmistifica o que significa viver bem a vida, por dentro e por fora.
Com o cancelamento de sua viagem ao Brasil, australiana que é monja budista defende reprogramação mental para pandemia sem medo. E usa conferências virtuais para chegar às pessoas.
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Robina Courtin já foi hippie, revolucionária e, desde os anos 1970, é monja budista.
Discípula de Thubten Yeshe e Zopa Rinpoche, ela trabalha para a Fundação para a Preservação da Tradição Mahayana.
Antes da pandemia, era esperada para uma palestra no Rio de Janeiro.
Por conta da Covid-19, passou a usar as plataformas digitais.
Por este meios, concedeu recente entrevista para a Folha de São Paulo.
Leia a seguir a íntegra:
Pergunta: A senhora não pôde vir ao Brasil devido à pandemia do coronavírus. Sentiu-se frustrada? Como lidou com este sentimento?
Resposta: Fiquei muito desapontada. Eu amo os brasileiros. Vocês têm um grande coração e são muito generosos. Espero que no ano que vem eu possa voltar. No entanto, este desapontamento não perturbou a minha mente. Quando nos familiarizamos de um modo profundo com o fato de que a mudança é algo natural, e que, não importa o quanto tentemos, não podemos fazer com que tudo corra exatamente do modo como desejamos, quando realmente aceitamos isso em vez de meramente sabermos disso de uma forma intelectual, podemos então fluir com as mudanças sem que elas nos causem perturbação.
Pergunta: Falando em frustrações, a quarentena tem imposto um grande número delas às pessoas que estão seguindo as orientações da OMS. Acredita que esse processo é mais fácil para algumas pessoas?
Resposta: As duas principais neuroses que governam nossas vidas se chamam apego e aversão. Palavras simples, mas de alcance muito profundo. O apego é aquela fome emocional dentro de nós que está sempre desesperada por obter apenas as coisas boas, que só consegue suportar quando tudo está correndo bem. Então, quando as coisas não vão bem, como agora, o apego se transforma em aversão. Nós entramos em pânico, não conseguimos tolerar, nos enfurecemos, ficamos atemorizados ou entramos em desespero e depressão. E nós vamos do apego à aversão mil vezes por dia. Gradualmente, no entanto, se trabalhamos nossas mentes, podemos dominar esse processo, aprender a ser corajosos em face da mudança, aprender a nos manter estáveis. Trabalho duro, mas possível.
A sabedoria a distância da monja Robina Courtin
Pergunta: De que forma o budismo pode nos ajudar em tempos de crise?
Resposta: A chave para esta compreensão está na abordagem budista da mente. Nós talvez não estejamos tão familiarizados com ela, na nossa cultura moderna, mas ela já está aí há mais de 2.000 anos. Como ressalta o dalai-lama, foram esses incríveis indianos, há mais de 3.000 anos, que iniciaram a investigação da natureza do ser. E nós pensávamos que tinha sido o Sigmund Freud, 100 anos atrás. O modelo mental budista expõe de modo muito claro os conteúdos da nossa mente, e aqui não estamos falando do cérebro. Esta não é a especialidade do Buda. O que estamos discutindo é o processo cognitivo em si mesmo, interno e subjetivo. Através da prática budista, nós nos familiarizamos, de um modo muito íntimo, com os nossos processos mentais, em um nível mais profundo do que no alcance sugerido pela psicologia moderna. Não é uma coisa mística, é psicologia prática.
Pergunta: A doutrina budista se baseia em entender o sofrimento e o modo como ele é inerente à existência humana. A chave para lidarmos com este momento peculiar do mundo está em aceitar tudo que estamos sendo desafiados a atravessar?
Resposta: Aceitar as coisas como se apresentam não significa ser passivo, ao contrário. Isto é ser realista. Desse modo temos mais habilidade para enxergar as coisas claramente, e, em vez de resistirmos ou passivamente sucumbirmos a elas, podemos fazer escolhas sábias, podemos nos manter equilibrados.
Pergunta: Por que, na sua visão, tendemos a sofrer mais intensamente quando estamos amedrontados, como hoje?
Resposta: O medo é a energia de todas estas emoções neuróticas. O apego nos leva a viver em um mundo de fantasia, a desejar desesperadamente que tudo corra bem e, no momento em que as coisas mudam, no momento em que este apego é contrariado, a aversão e o pânico se manifestam. Esta é a fonte do nosso sofrimento.
Pergunta: Qual a sua sugestão para lidarmos com o medo trazido pela pandemia e pela quarentena? O medo de perder parentes, amigos, empregos, dinheiro.
Resposta: A mudança é a realidade. Saber disso nos leva a sermos mais razoáveis, mais gentis, mais satisfeitos. Saber que, qualquer dia, os nossos entes queridos podem ir embora ou morrer. Que nós podemos perder nosso emprego. Nós sabemos disso. Então, ao vivermos com a realidade da mudança, podemos desfrutar ainda mais das nossas vidas, dos nossos entes queridos, do nosso trabalho. E, quando eles realmente vierem a mudar, é claro que ficaremos tristes, até mesmo de coração partido, mas não perderemos nosso centro, nossa coragem. Nós conseguiremos nos manter firmes, equilibrados.
Pergunta: Também tememos não sermos capazes de ser felizes novamente, depois que a quarentena acabar. O que a senhora diria em relação a isso?
Resposta: A essência da investigação budista da mente consiste em reconhecer que, como bem sabemos, todos nós experimentamos diversos estados mentais positivos, apropriados e benéficos, como a inteligência, o amor, a compaixão, o perdão, a autoconfiança e assim por diante. Mas nós também experimentamos um bocado de apego, raiva, inveja, depressão, baixa autoestima, arrogância. Enquanto a neurociência e a psicologia atribuem igual importância a esses estados da mente, considerando-os partes de uma pessoa normal —o que sugere que não seríamos normais se não tivéssemos em nós um pouco de cada um deles—, a abordagem budista é a de que esses estados mentais não fazem verdadeiramente parte do cerne do nosso ser. Em outras palavras, podemos modificá-los, diminuir seu poder. Eles não estão gravados na pedra. E por que razão deveríamos mudá-los? É muito simples. Eles são a causa do nosso sofrimento.
Pergunta: Os casais têm encarado tempos desafiadores, ao terem que compartilhar pequenos espaços por tanto tempo. Existem países onde o número de divórcios aumentou depois do fim da quarentena. A senhora acha que nos falta paciência?
Resposta: Quando se trata de relacionamentos próximos, nossos problemas com o mundo em geral são simplesmente amplificados. Assim, quanto mais trabalhamos nossa mente, mais nos transformamos, diminuindo o apego, o ciúme e todo o resto. E mais pacientes e compassivos nos tornamos.
Pergunta: Existe a oportunidade de aprendermos alguma coisa sobre espiritualidade durante a quarentena?
Resposta: À medida que examinamos nossos estados mentais, começamos a reconhecer que as poderosas emoções que experimentamos são uma expressão de histórias conceituais dolorosas, baseadas no medo, baseadas no “eu” e longamente cultivadas, presas no fundo dos nossos ossos. É claro que acreditamos piamente nestas histórias, nunca nos ocorre questionar essas suposições. E, certamente, nunca nos ocorre a possibilidade de transformá-las. Assim, gastamos toda a nossa energia tentando mudar o mundo do lado de fora. Quando nos tornarmos capazes de questionar e transformar nossas suposições e nossas emoções, poderemos começar a sentir mais compaixão pelos outros seres. Estamos todos no mesmo barco.
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