A viagem ideal

Para melhor aproveitar a experiência, convém não superestimá-la. Leia minha última coluna publicada na revista Veja. Leia mais: Meu pulo do gato – Veja como perdi e mantenho longe mais de…

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Para melhor aproveitar a experiência, convém não superestimá-la. Leia minha última coluna publicada na revista Veja.

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Neste momento em que, depois de tanto tempo de distanciamento social, as pessoas parecem superestimar a experiência de viajar, talvez seja oportuno relativizar as regalias proporcionadas pelas viagens.

Não me entenda mal, eu adoro viajar.

Sempre que posso ponho o pé na estrada e vivo dizendo aos meus amigos que é melhor sair de casa, nem que seja para tropeçar.

Só é preciso ter cuidado para não atribuir às viagens algo que elas não podem oferecer — a felicidade, por exemplo.

Rodar o mundo pode ser uma aventura gratificante — na medida em que permite o acúmulo de conhecimentos em primeira mão —, mas não faz com que o viajante se sinta mais feliz, a não ser por um momento fugaz.

Não é difícil entender a supervalorização das viagens nos dias de hoje.

Se muitas vezes a fonte de infelicidade é o estresse de um cotidiano entediante ou atribulado, a receita mais fácil para inverter a equação é quebrar a rotina, lançando-se além das fronteiras do bairro e da cidade em que se habita.

O embarque, porém, não estabelece uma divisória entre dois estados de espírito.

A pessoa que se ressente de um dia a dia desmotivante é a mesma que sobe no avião, desfaz as malas no hotel e se põe a caminhar por ruas desconhecidas.

A eventual virada de chave que muitos registram não tem a ver com geografia — é uma questão pessoal.

Não é mágica, é autoconhecimento.

Na minha experiência, as boas viagens superam com folga aquelas marcadas por algum dissabor.

Mas devemos levar em conta que há alguma distância entre a viagem que idealizamos e a que fazemos.

É uma distância que pode ser tão grande quanto aquela entre o ponto de partida e o destino final.

Projetamos a próxima com a alta expectativa gerada pelo relato em rede social ou pelo folheto da agência de turismo, em que tudo é perfeito, até o tempo no local a ser visitado, incluindo a suave brisa que agita as folhas de uma palmeira, como prova a imagem colorida.

Na vida real, no entanto, para além da narrativa exacerbada de amigos virtuais e da paisagem retocada do folheto de turismo, viagens são como tudo o mais na vida — têm aspectos positivos e negativos, que a memória se encarrega de reter ou descartar.

A viagem em si não é suficiente para dar respostas à monotonia, mas pode ajudar a sacudi-la.

Tudo depende de como a encaramos, das esperanças que nela depositamos.

A viagem ideal não depende do destino mas da disposição mental de quem a empreende.

Curiosidade é fundamental, assim como manter a mente receptiva ao que é diferente — o que vale para tudo, dos costumes à gastronomia local.

É preciso abordar os lugares que não conhecemos com a humildade de quem quer aprender.

Não se permita atulhar a mala com ideias rígidas sobre o que é interessante.

É aconselhável deixar algum espaço para o acaso.

Érico Veríssimo dizia: “Existem duas categorias de viajantes: os que viajam para fugir e os que viajam para buscar”.

Mais do que concordar com o escritor, eu me arrisco a completar seu pensamento ao dizer que, enquanto os primeiros são candidatos à decepção, os segundos estão inclinados a colher boa dose de satisfação por saberem extrair muito do relativamente pouco que uma viagem pode prover.

Nota: Meu sobrinho João Paulo nos deixou nesta semana.

Seu espírito determinado sempre engrandeceu o esporte, a saúde e o bem viver.

Encerrou sua viagem na terra tendo completado com louvor mais esta travessia.

Este artigo eu dedico a ele.

Publicado originalmente na revista Veja.

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