Churrasco além do ponto

Depois de resistir ao isolamento social, o encontro em torno da grelha é ameaçado pela alta dos preços. Leia minha última coluna publicada na revista Veja. Leia mais: Meu pulo do…

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Depois de resistir ao isolamento social, o encontro em torno da grelha é ameaçado pela alta dos preços. Leia minha última coluna publicada na revista Veja.

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Certa vez, jantando com amigos em Coimbra, onde fui receber uma homenagem do reitor da universidade, um empresário à mesa comentou que o Brasil se encontra no churrasco.

É verdade.

Foi aqui, mais do que em outros lugares, que a tradição impregnou na cultura popular.

O ritual brasileiro em torno da grelha é algo que atravessa horizontalmente as classes sociais.

É o ponto em que se cruzam a experiência gastronômica e a celebração democrática.

O churrasco é tão democrático quanto a praia.

Basta o cidadão ter disposição de se reunir gostosamente com pessoas que lhe são queridas.

Cada um leva uma peça de carne, e a festa está feita.

O “barbecue” americano chega perto em termos de popularidade, mas não tem a mesma história.

Originário do Rio Grande do Sul, o churrasco brasileiro nasceu em plena Colônia, quando camponeses caçavam cabeças de gado espalhadas pela região e preparavam a carne fresca cortada em tiras espetando-as num pau cravado no chão ao pé do fogo e tendo só as cinzas como tempero.

O nome, aliás, vem de “churrascar”, que em castelhano significa “chamuscar”.

A partir dos Pampas, a tradição gaúcha, de merecida fama, tomou conta do país.

Quem vai a um churrasco está disposto a investir tempo em relacionamentos humanos.

O ideal é que o processo de assar a carne seja suficientemente pausado para que os convivas tenham oportunidade de jogar conversa fora, escapando, ao menos por uma tarde, das pressões do cotidiano.

É esse congraçamento de familiares e amigos a razão de ser dessa tradição.

O passar do tempo no churrasco tem o seu ritmo próprio, não é medido como as horas que gastamos trabalhando ou nos dedicando a tarefas outras.

Amigos e familiares passam juntos não cinco ou seis horas, mas se reúnem durante meia dúzia de cervejas e três ou quatro bons pedaços de maminha e picanha.

Pois essa tradição, depois de resistir ao isolamento social imposto pela pandemia, está novamente ameaçada – agora pela alta dos preços.

Os ingredientes do churrasco tiveram, na média, reajustes que, em um ano, superaram com folga a inflação do período.

Alguns itens, como a picanha e o filé mignon, passaram do ponto, com altas três vezes maiores do que a do índice geral.

Sempre se pode recorrer um pouco mais ao pão de alho ou ao churrasco vegetariano, com o pimentão fazendo as vezes da alcatra.

Mas é de se lastimar a carestia, pois, ainda que a popularidade do churrasco tenha mais a ver com a confraternização social do que propriamente com a carne, esta protagonista de uma de nossas mais genuínas manifestações gregárias não merecia estar na berlinda.

Publicado originalmente na revista Veja.

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