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Lucilia Diniz desmistifica o que significa viver bem a vida, por dentro e por fora.
Memórias afetivas que permanecem por toda a vida. Leia meu artigo publicado na revista Veja.
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A mesa tem um quê de sagrado.
Em torno do alimento que ela oferta, familiares e amigos se reúnem, estreitando vínculos e criando um repertório de memórias afetivas que poderão ser acessadas por toda a a vida.
Num almoço de domingo, um simples molho de tomate feito no passe vite trará de volta o elogio de sempre.
Num lanche em dia de semana, o biscoito champanhe lembrará a avó.
Assim como a textura macia e consistente de um pudim nos devolverá a infância já remota.
Qualquer comida é melhor quando compartilhada.
À mesa, o ritual de fazer a refeição em conjunto requer o avesso da pressa.
Assim a conversa evolui solta e pode tomar rumos inesperados.
Na melhor tradição latina, que valoriza o falatório entrecruzado, um comentário casual sobre o ponto da massa ou um pedido para passar o azeite podem dar origem a reflexão, piada, ensinamento, nunca se sabe.
Podem terminar também em desavenças, se bem que essas tendem a se dissolver logo, em meio a aromas agradáveis.
Guardo na retina e na alma as cenas banais e marcantes dos jantares semanais de terça-feira em casa.
Meus pais nas cabeceiras, os seis filhos entre eles.
Minha mãe provavelmente não entenderia o sentido de “gluten free”.
Portuguesa típica, gostava de um bom bacalhau e mergulhava o pão no vinho.
Adorava ainda a água portuguesa Pedras Salgadas, bicarbonatada e naturalmente gaseificada, indicada por ela para “anular” alguns exageros à mesa.
Minha mãe dizia ainda que água boa deve ser rica em minerais, e jamais purificada — que só serviria para expelir os minerais do nosso organismo.
Mamãe também não queria saber se alguém não gostava de cebola ou maçã, como era o caso do Abilio, o mais velho dos seis irmãos.
Embates passageiros sobre esses ingredientes, aliás, fazem parte do folclore familiar, da mesma maneira que a superstição de minha mãe, que se recusava a pôr treze pessoas na mesa (mas isso só seria um problema quando a nós se juntaram genros e noras).
Diz o ditado popular que, para conhecer uma pessoa, é preciso antes comer um saco de sal com ela.
Famílias que comem unidas batem a marca proverbial com folga.
Hoje, aqueles que podem ficar em casa estão tendo a oportunidade de resgatar um hábito — de ouvir e falar entre goles e garfadas — que emprestou leveza de espírito, inteligência e charme à própria civilização.
É inevitável que a mesa também nos faça sentir saudade daqueles que já não se sentam mais ao nosso lado.
A cadeira vazia é uma metáfora pungente da partida de um ente querido.
“Naquela mesa ele sentava sempre/E me dizia sempre o que é viver melhor”, diz o samba clássico que o filho de Jacob do Bandolim fez para o pai.
Em meio à nostalgia vazada em tom menor, o que ficam, para mim, é o elogio do convívio e as boas lembranças, que logo se sobrepõem ao vácuo.
Ficam ainda as histórias divertidas, os argumentos afiados, as lições pertinentes, o exemplo de vida.
E fica também, como que embaçada nos vapores que sobem das travessas, a cena agitada e alegre embalada pelo tilintar de copos e talheres.
P.S.: a todos aqueles que perderam seus entes queridos pela Covid-19 neste ano tão difícil e doloroso eu dedico este artigo.
Publicado originalmente na revista Veja edição nº 2705.
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